O Rafael, meu filho, fez um carinhoso comentário no Prólogo deste Blog, com boas sugestões, mas me provocou dizendo pra eu não falar de Poker, eh eh.Pois bem, vai aí o primeiro sobre este jogo elegante e instigante, que consiste num processo decisório em cima de informação incompleta. Parece Política, ou mesmo as decisões no jogo bruto do mundo dos negócios. (Regras e como jogar em http://www.clubedopoker.com). Começo com pequenos trechos retirados da obra de Machado de Assis que era um jogueiro, sem dúvida nenhuma. Com a mesma graça que fala dos jogos, ele descreve casos, conta anedota, refere histórias insólitas e antecipadamente surrealistas, funde cenas de vida quotidiana ou de pura fantasia, notas de costume e caracteres.
1) Polca e voltarete são dois organismos vivos que estão destruindo a nossa alma; é indispensável que nos vacinem com a espadilha e duas ou três oitavas do Caia no beco ou qualquer outro título da mesma farinha. Éramos quatro e tínhamos a mesma idade. (Cantiga Velha, Novembro de 1883).
2) O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspeção. Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente. (“Teoria do Medalhão”).
3) ....Passa por nós um vendedor de loterias e tenta impingir-me o sweepstake. Recuso. O velho ao lado acode:
— Compre de vez em quando. A loteria é mulher, pode acabar cedendo um dia.
— Não gosto muito de jogos...
— Pois eu adoro o xadrez. Jogo delicioso, por Deus!... a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia... “Lições de um Bruxo”.
4) Obrigado pela palavra, a ir passar a noite com o corretor Miranda, lá fui hoje. Veio mais gordo da Europa, onde só esteve alguns meses; é o mesmo impetuoso de sempre, mas bom sujeito e excelente marido. Nada novo, a não ser um jogo, parece que inventado nos Estados Unidos e que ele aprendeu a bordo. No meu tempo não se conhecia. Chama-se poker; eu trouxe o whist, que ainda jogo, e peguei no meu velho voltarete. Parece que o poker vai derribar tudo. Na casa do Miranda até a senhora deste jogou.
As filhas não jogaram, nem a cunhada, D. Cesária, que não acha recreação nas cartas; confessou (rindo) que é muito melhor dizer mal da vida alheia, e não o faz sem graça. Justamente o que falta ao marido, a quem sobra o resto. Estivessem ou não, a volta os reconciliou É uma das prendas desta senhora. Talvez tivesse dito mal da própria irmã ou do cunhado, mas tão habilmente se arranjou que os achei unidíssimos. Não sei o que ela dirá de mim, eu acho-lhe interesse, e preferi-lhe a língua ao poker; com a língua não se perde dinheiro.
Como se falasse da morte do barão de Santa-Pia e da situação da filha, D. Cesária perguntou se ela realmente não casava. Parece que duvida da viuvez de Fidélia. Eu não lhe disse que já pensara o mesmo, nem lhe disse nada; não quis trazer a outra à conversação e fiz bem. D. Cesária aceitou daí a pouco a hipótese da viuvez perpétua, por não achar graça à viúva, nem vida, nem maneiras, nada, coisa nenhuma; parece-lhe uma defunta. Eu sorri como devia, e fui ouvir a explicação que me davam de um bluff. No poker, bluff é uma espécie de conto-do-vigário. (Memorial de Aires, 1906).