quarta-feira, 23 de julho de 2008

Desafiando Meu Filho

O Rafael, meu filho, fez um carinhoso comentário no Prólogo deste Blog, com boas sugestões, mas me provocou dizendo pra eu não falar de Poker, eh eh.Pois bem, vai aí o primeiro sobre este jogo elegante e instigante, que consiste num processo decisório em cima de informação incompleta. Parece Política, ou mesmo as decisões no jogo bruto do mundo dos negócios. (Regras e como jogar em http://www.clubedopoker.com).

Começo com pequenos trechos retirados da obra de Machado de Assis que era um jogueiro, sem dúvida nenhuma. Com a mesma graça que fala dos jogos, ele descreve casos, conta anedota, refere histórias insólitas e antecipadamente surrealistas, funde cenas de vida quotidiana ou de pura fantasia, notas de costume e caracteres.

1) Polca e voltarete são dois organismos vivos que estão destruindo a nossa alma; é indispensável que nos vacinem com a espadilha e duas ou três oitavas do Caia no beco ou qualquer outro título da mesma farinha. Éramos quatro e tínhamos a mesma idade. (Cantiga Velha, Novembro de 1883).

2) O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspeção. Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente. (“Teoria do Medalhão”).

3) ....Passa por nós um vendedor de loterias e tenta impingir-me o sweepstake. Recuso. O velho ao lado acode:

— Compre de vez em quando. A loteria é mulher, pode acabar cedendo um dia.

— Não gosto muito de jogos...

— Pois eu adoro o xadrez. Jogo delicioso, por Deus!... a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia... “Lições de um Bruxo”.

4) Obrigado pela palavra, a ir passar a noite com o corretor Miranda, lá fui hoje. Veio mais gordo da Europa, onde só esteve alguns meses; é o mesmo impetuoso de sempre, mas bom sujeito e excelente marido. Nada novo, a não ser um jogo, parece que inventado nos Estados Unidos e que ele aprendeu a bordo. No meu tempo não se conhecia. Chama-se poker; eu trouxe o whist, que ainda jogo, e peguei no meu velho voltarete. Parece que o poker vai derribar tudo. Na casa do Miranda até a senhora deste jogou.

As filhas não jogaram, nem a cunhada, D. Cesária, que não acha recreação nas cartas; confessou (rindo) que é muito melhor dizer mal da vida alheia, e não o faz sem graça. Justamente o que falta ao marido, a quem sobra o resto. Estivessem ou não, a volta os reconciliou É uma das prendas desta senhora. Talvez tivesse dito mal da própria irmã ou do cunhado, mas tão habilmente se arranjou que os achei unidíssimos. Não sei o que ela dirá de mim, eu acho-lhe interesse, e preferi-lhe a língua ao poker; com a língua não se perde dinheiro.

Como se falasse da morte do barão de Santa-Pia e da situação da filha, D. Cesária perguntou se ela realmente não casava. Parece que duvida da viuvez de Fidélia. Eu não lhe disse que já pensara o mesmo, nem lhe disse nada; não quis trazer a outra à conversação e fiz bem. D. Cesária aceitou daí a pouco a hipótese da viuvez perpétua, por não achar graça à viúva, nem vida, nem maneiras, nada, coisa nenhuma; parece-lhe uma defunta. Eu sorri como devia, e fui ouvir a explicação que me davam de um bluff. No poker, bluff é uma espécie de conto-do-vigário. (Memorial de Aires, 1906).

2 comentários:

Anônimo disse...

Mestre Raulino.
É com grande prazer que leio os posts do seu blog (felizmente ainda no início, o que me permitiu ler todas as publicações antes de postar o meu comentário :). Felizmente também porque me permite presenciar mais uma iniciativa sua desde seu nascedouro).
Ao ler o nome de Machado de Assis pensei imediatamente no jogo de xadrez porém umas linhas mais abaixo no seu texto há uma referência irônica daquele mulato brilhante ao jogo dos reis, como não gostar do xadrez com sua permissividade anárquica ?
Curiosamente um dos primeiros torneios de xadrez registrados no Brasil contou com a presença de Machado: "Em 1880 organisei um pequeno torneio em minha casa em que tomaram parte os seguintes amadores além da minha própria pessoa: Dr. Caldas Vianna, Carlos Pradez, Dr. Machado de Assis, Joaquim Navarro e Dr. J. Palhares." (Caissana Brasileira, Arthur Napoleão, 1898, Typ. do Jornal do Commercio).

Um grande abraço e parabéns pela iniciativa. Algumas vozes não foram feitas para o silêncio!
Um grande abraço,
Roberto Stelling

Bruno Chuairi disse...

Tio, passo o Poker, nada com números me cai bem. Mas gostei de reler Machado. Quanto a pensar, no dia em que parar, caio. Aquele texto foi publicado por um amigo!!! Se puder dá uma olhada no à Espanhola!! O link está lá no Blog.
bjs
br