terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Zona Sul não é adversária do Rio

Excelente entrevista do Gabeira ao Jornal "O Dia" de hoje. Vale a pena dar uma lida.
Gabeira esperto, lúcido, a favor do Rio de Janeiro escapando pro futuro e empolgado com a Revolução.

Gabeira diz não ter vergonha de ser ‘o candidato preferido entre as pessoas mais instruídas’ e defende cidade unificada.
Bruno Astuto

Rio - A série de entrevistas ‘Os candidatos como você nunca viu’ traz hoje Fernando Gabeira, o candidato do PV à Prefeitura do Rio. Ele me recebeu em sua casa de uma maneira, digamos, que nenhum convidado apreciaria: “Você só tem vinte minutos”.

Lembrando que estamos também a poucos minutos das eleições, segui firme no propósito de mergulhar nos pensamentos desse político. Mas um probleminha doméstico o assola: Pequena, sua gatinha de estimação, de uma hora para outra decidiu virar terrorista e atacar passarinhos, logo a gata dele, um homem tão pacifista. Prioridades, se eleito, são quatro: “A gente vai começar com a bola no chão. Sentar, resolver quatro problemas: tapar os buracos, botar luz, podar as árvores e limpar as ruas”.

Está fazendo dieta para enfrentar a maratona?
Não, porque, na verdade, a gente está tendo tempo até para almoçar às vezes.

O que o povo lhe oferece na rua que você adora e o que você detesta?
Eu não como qualquer coisa. Não como carne, por exemplo. Nas feiras, gosto de frutas e fico feliz de banca em banca comendo frutas.

Esta campanha está sendo baixaria ou alto nível?
Eu tenho a impressão de que ela ainda não conseguiu achar sua identidade. Há tentativas de baixaria e tentativas de alto nível. A campanha ainda não começou a empolgar. Só agora, na reta final, é que começam a aparecer as verdadeiras personalidades por trás dos candidatos. A minha previsão é que o clima vá esquentar.

Vou dizer os nomes dos outros entrevistados e gostaria de que você fizesse um pequeno comentário a respeito. Solange.
Excelente deputada.

Molon.
Excelente pessoa, um excelente deputado estadual.

Jandira.
Uma pessoa extremamente trabalhadora e muito voltada para a saúde.

Eduardo Paes.
Muito dinâmico, teve uma participação como administrador, seria um bom síndico para o Rio de Janeiro.

Crivella.
Pacífico, tranqüilo, apesar de às vezes estar no olho do furacão da luta religiosa.

Você tem religião?
Tenho. Trabalho com os budistas. Quando o Dalai Lama vem ao Brasil, eu o recebo, faço negociações com o Itamaraty para que ele seja recebido, já que ele tem dificuldades por causa da China. Também tenho boas relações com o catolicismo, que é a minha religião de origem, onde fui educado. Tenho boa relação com as religiões africanas, com os batistas. Na verdade, eu partilho com muitos princípios de várias religiões.

Qual a crítica que mais o magoa?
Nenhuma crítica toca tão fundo, todas são de uma maneira geral bem recebidas. Algumas ofensas me tocam fundo. Quando é crítica, eu sempre trato no plano político. Quando é uma ofensa, fica mais difícil.

Você chora com facilidade?
Choro de emoção, de saudades, de raiva. Mas, de um modo geral, eu não choro. Procuro reagir da forma mais racional possível.

De que você sente saudades?
Muito difícil responder, porque eu estou com 67 anos. Foram tantos bons momentos, tantos lugares maravilhosos e tantas situações inesquecíveis, que você vê que a vida é muito boa. O período que eu passei na Suécia, sobretudo nos verões, foi inesquecível.

Que lugar mais o deslumbrou?
Londres é a cidade européia em que me sinto mais satisfeito como cidade grande.

Qual o livro da sua vida?
São vários, mas eu gosto de dois que me ensinaram a conduzir uma narrativa de forma mais econômica e enxuta possível, porque eu sou escritor. Um é ‘O Velho e o Mar’ de (Ernest) Hemingway e o outro é ‘O Estrangeiro’, de Albert Camus. São importantes para quem quer narrar alguma coisa. São objetivos, curtos e absolutamente completos no que querem.

E o filme da sua vida?
Sempre gostei de filmes pacifistas, que fazem uma crítica à guerra. ‘Glória feita de sangue’, por exemplo. E toda a filmografia italiana. “Oito e meio’, de Fellini, é maravilhoso. Gosto muito do (Ingmar) Bergman, sueco.

Você se diz pacifista. Quem hoje imagina que você já tenha participado da luta armada?
Eu também não me imagino. Não me arrependo, mas foi um equívoco porque fez com que a ditadura durasse um pouco mais que ela poderia durar.

Você saiu da luta armada como um pacifista e o José Dirceu, um dos prisioneiros políticos por quem você e seus companheiros trocaram o embaixador americano seqüestrado, tornou-se uma figura controversa.
Controversa pelos caminhos que ele escolheu. Eu acho o José Dirceu às vezes muito injustiçado sob um aspecto: todos os problemas que o PT viveu acabaram sendo atribuídos a ele. Ele ficou com o papel de vilão.

Voltar e sair do Partido dos Trabalhadores foi difícil?
Não, não foi difícil. Custou umas tardes de apreensão porque o processo estava se desenrolando de uma forma muito clara para mim. Aquele caminho não era o caminho que eu queria. Hoje eles estão até muito satisfeitos com a popularidade muito grande. Mas o nosso caminho tinha que ser de revisão da prática política, das relações entre os políticos, da redução da roubalheira. E isso não aconteceu.

Você é um verde que picha editorial de moda com casaco de pele? O que é ser verde?
Não. Quem faz esse trabalho nos Estados Unidos é o Peta, que trabalha especificamente com os direitos dos animais, não o Partido Verde. Eu sempre achei que o caminho melhor é o pedagógico. Se você quer realmente alterar uma situação, não adianta entrar no trilho da proibição, mas do diálogo, da conversa. No caso da moda, por exemplo, ela tem uma base material, mas também uma base muito subjetiva. Ela é uma combinação estética que as pessoas têm entre si.

A imagem da campanha pela legalização da maconha o ajuda ou o atrapalha?
No momento, nem ajuda nem atrapalha. Eu sou candidato a prefeito do Rio de Janeiro, não tem nada a ver. Não há nada hoje que me atrapalhe, a não ser o fato de a população não ter se dado conta do processo eleitoral.

Já chega ao ponto que isso o incomoda?
Não incomoda, não. Apenas é um registro de como as pessoas estão perdendo o ponto, como dizem os americanos. O ponto aqui é a campanha municipal, o que fazer com a cidade, que está atravessando uma crise profunda, um processo de desordem. A cidade está dominada parcialmente por grupos armados, cheia de buracos, é escura em muitos pontos. É o único lugar do Brasil que empobreceu nesses anos, que os pobres ficaram mais pobres.

Você é o candidato da Zona Sul?
Tem vários clichês, vários mitos que vão sendo desfeitos. O primeiro mito é esse, de que a Zona Sul é adversária do Rio. Então ser da Zona Sul é carregar uma vergonha, um fardo. Eu acho que nós queremos uma cidade unificada. Outros candidatos fingem que não são da Zona Sul e dizem que eu sou. Eu não tenho nenhuma vergonha de ser o candidato preferido entre as pessoas mais instruídas. Isso não é vergonha.

Qual é o seu programa povão?
Ando aqui em Ipanema de chinelo e bermuda. Vou a todos os lugares, vou de bicicleta ao Flamengo. Conheço e gosto de conhecer os porteiros, os taxistas.

E o momento high society?
Não tenho me permitido luxos ultimamente, mas, quando sou convidado para dar palestras, freqüento bons hotéis. Também tenho boas roupas, porque não sou de comprar muitas roupas baratas. Prefiro uma cara de boa qualidade e usá-la bastante.

Qual o seu primeiro ato no dia 2?
A gente vai começar com a bola no chão. Sentar, resolver quatro problemas: tapar os buracos, botar luz, podar as árvores e limpar as ruas.

E o primeiro decreto quando acabar a campanha, em nome da sanidade mental?
Preciso tirar dois dias. Não sei onde, mas para exatamente não pensar em nada, esvaziar a cabeça.

Já teve alguma desilusão amorosa?
Não, mas tive algumas separações na juventude, sim. Se não houvesse dor-de-cotovelo, a gente não poderia beber chope e ouvir samba-canção.

Já quebrou corações?
Eu não entendo assim, mas como um processo de caminhos que se cruzam e se desfazem. Você não quebra o coração. É uma interpretação equivocada, porque são liberdades que se juntam e às vezes se separam.

Você vive casado como antigamente.
Essa é a casa dela. Tenho um apartamento aqui perto e moramos juntos. O apartamento que eu tenho, minha filha está usando como consultório, pois se formou psicóloga. É um casamento convencional, sim.

O símbolo da liberdade sexual e de costumes encaretou?
Não sei se o fato de viver com uma pessoa entra em contradição com a liberdade sexual. A minha posição foi sempre a de liberdade.

Qual é a sua revolução agora?
Vivemos no auge da revolução digital. Estamos passando por uma nova época, a chamada a época do conhecimento. Não é à toa que eu estou propondo que o Rio de Janeiro se transforme na capital do conhecimento.


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